sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Depoimento da Patrícia


Chamo-me Patrícia Fonseca. Nasci no frio mês de Dezembro de 1972 na manhã do dia 24. Nasci numa clínica de Lisboa. Porém, aquando da minha entrada no mundo, toda a minha pele empolou, tornando-se uma chaga. Fui de imediato envolta em gases e levada para a Santa Maria, unidade de prematuros. Estive numa incubadora cerca de um mês e meio. Foi-me diagnosticada uma ictiose congénita Lamelar. Disseram que certamente poderia vir a ter cura com a chamada “mudança de idade”, o que nunca veio a suceder. Com dois anos fui a um médico a Londres, na altura, considerado um dos melhores dermatologistas do mundo, contudo a resposta foi igual a dos colegas portugueses. Passei por imensas experiências no campo da medicina e não. Hoje, dificilmente acredito no que quer que seja que me digam sobre o problema da pele.
Hoje, com 36 anos e uma parte da vida feita com um sorriso nos lábios, digo que não custa viver com ictiose, o que custa é viver numa sociedade onde as pessoas criam fronteiras e muros por qualquer coisa.
Em termos sociais sou muito descomplexada, faço amigos com imensa facilidade. Em termos de trabalho nunca fui alvo de discriminação. Trabalho desde que terminei o meu curso. Sou professora e formadora. Tenho uma excelente relação com os meus formando e colegas. Vivo o problema de uma forma bastante saudável. Quanto à parte emocional é que ainda me debato com algumas complicações da minha parte.
A Ictiose lamelar é uma das formas mais graves e acentuadas da doença. Como costumo dizer: “não posso assaltar um Banco que todos me reconhecem”. O problema nota-se muito. Porém, já está menos acentuado. Uso 3 tipos de creme, a saber: OTC lactónico do laboratório Ibérica, Creme gordo da Barral e o Dexril da Pierre Fabré. Faço banhos de imersão durante quase duas horas, onde coloco exfoliante no corpo e depois passo uma pedra para tirar a pele morta. Sei no entanto que devia ter mais cuidado, mas o tempo também não deixa.
Sou uma pessoas muito activa e com uma vida social muito boa. A ictiose nunca constou um problema para mim. Só o é devido ao que os outros me fazem sentir. Não posso, no entanto, deixar de dizer que passei por situações muito complicadas em termos sociais quando era mais pequena. Hoje não ligo aos que dizem nem à forma como olham. Nos dias em que estou bem disposta dou uma resposta provocatória ou digo alguma coisa que faça o outro sentir-se mal, caso contrário nem ligo nem noto.
Tenho consciência que para a minha família foi um choque o meu nascimento. Nada o fazia prever. Toda a gravidez foi perfeita, a minha mãe era muito nova quando me teve (19 anos). Sofreu e ainda hoje sofre. Pensou durante muito tempo que eu iria ser ostracizada e marginalizada socialmente. Porém, tudo foi ao contrário. Conta ela que muitas vezes chegava à escola e via-me sempre cheias de meninos em torno de mim a brincar. Eu era uma criança muito doce e todos gostavam de brincar comigo. Penso que a idade mais crítica foi a da adolescência.
Sempre soube que havia mais casos de ictiose lamelar. Inclusive cheguei a frequentar uma escola em que éramos 2 pessoas portadoras de ictiose lamelar congénita. Só mais tarde consegui enfrentar alguém igual a mim. Hoje é sem problemas que o faço.
Gostei muito de conhecer mais pessoas. De passar o meu testemunho. Penso que é muito importante falar sobre as nossas experiências. Por vezes, a troca de experiências mostra novos mundos e desmistifica medos encerrados durante anos.
Ajudei na criação da ASPORI com a intenção de chegar às pessoas portadoras de Ictiose bem como aos seus familiares.
Para mim o mundo é um pouco como a minha pele; algo um pouco envelhecido e que necessita de renascer. Todos somos células integrantes desse mundo mas no qual fazemos questão de viver isoladamente.